Idosos e a Família
Portugal tem vindo a verificar um envelhecimento cada vez mais acentuado. Todo este envelhecimento vem desde alguns anos a preocupar toda a população de investigadores, e a comunidade em geral.
Tal como identifica Pimentel (2005:43) “ o período da velhice é cada vez mais prolongado, o que põe em causa o papel passivo que a sociedade tem atribuído a estes indivíduos. O papel do idoso na sociedade tem de ser repensado, pois não é concebível que as pessoas encarem cerca de um quarto da sua vida como um vazio de perspectivas”.
Os papéis da família têm-se vindo a modificar ao longo dos anos, muito também devido aos factores económicos e às alterações das dinâmicas familiares.
Hoje em dia as famílias vivem em estilos de vida stressantes e em constantes modificações, o nível económico das famílias cada vez mais é reduzido, e em muitos casos os filhos voltam para casas dos seus pais (idosos). Estas reuniões familiares levam ao desenvolvimento de novos papéis dos idosos na família, nomeadamente a ajuda financeira e o acompanhamento mais próximo dos netos.
Segundo Peixoto, (2004:76) as coabitações familiares “é, assim, um elemento que muito contribui para a solidariedade familiar tanto nos períodos mais difíceis da vida dos filhos quanto na viuvez dos pais…”
Esta coabitação/ reunião familiar leva-nos a reflectir sobre os valores que as unificam. No passado existiam famílias alargadas, onde as partilhas eram constantes e existia um processo de entreajuda latente em cada família. Apesar de todas as famílias serem díspares, podemos dizer que o valor mais importante na família continua a ser a solidariedade e a entreajuda. E os idosos têm nas famílias ainda o papel de transmissão desses valores, de mostrar aos mais jovens que o “ajudar” e ser solidário não deverá partir como uma obrigação mas sim como um valor adquirido, numa tentativa mesmo de amadurecimento dos jovens, mostrando-lhes que no futuro serão pais e mais tarde avós (velhos), e que tudo não passará de um circuito contínuo onde todos terão o seu papel, e que provavelmente necessitaram de ajuda e solidariedade dos seus familiares.
É interessante analisar o filme “Parente é Serpente” de Monicelli, e verificar que os papeis naquela família estão muito bem definidos e existe entre todos os familiares, desde filhos a noras, genros, sobrinhos, tios, cunhados e avós, uma harmonia e preocupação familiar conjunta. Mostrando a contribuição de cada um naquele núcleo familiar. Mostra-nos também que quando os pais necessitaram de apoio da família, os membros mais novos entram em desacordo e se perde a harmonia familiar existente, não sendo os filhos do casal capazes de assumir os novos papéis requeridos pela situação familiar.
Existe sem dúvida um papel definido para cada membro da família, entre pais, filhos e netos.
O meio familiar que é desenvolvido afecta em muito o papel que cada uma desempenha, nomeadamente se for uma família destruturada e sem qualquer tipo de valores, será notório que os elementos jovens dessa mesma família não tenham qualquer respeito pelos mais velhos e vice-versa.
No entanto existem famílias extremamente unidas onde os “patriarcas” partilham desde muito cedo os valores necessários á união dessa mesma família. Desde muito cedo os pais ensinam a seus filhos os valores de cidadania, respeito, solidariedade, entreajuda, a tolerância entre outros, que se bem entendidos e compreendidos farão parte da formação pessoal de seus filhos e netos, mostrando que todos os elementos da família deverão ser respeitados de igual forma, independentemente do seu estatuto familiar ou idade. E sem dúvida conseguimos captar que existem famílias com esses valores bem lactentes, quando a família se mostra unida e preocupada com os seus entes mais velhos, mostrando que existe respeito e carinho. Quando vemos um neto que ajuda um avô a ler um jornal, ou lhe mostra que medicamento deverá tomar. Quando incentiva o avó a passear com ele no parque, lhe mostra que sente carinho e gosta da sua presença. Verificamos que os filhos têm em atenção se os pais estão confortáveis se necessitam de algo, ou simplesmente, o levar a familiar a passear, são pequenos gestos que demonstram os valores implícitos em cada família, que para alguns pode não ter qualquer valor, mas para outros lhe dá uma verdadeira qualidade de vida.
Sem dúvida que ainda temos muito que aprender com os nossos idosos, eles tiveram, têm e terão sempre um papel importante na sociedade, papel esse, que se desenvolve através das relações intergeracionais, levando a que os idosos partilhem histórias de vida que só eles vivenciaram, partilhem conhecimentos técnicos, ensinem as gerações futuras certas profissões que por vezes já escasseiam, mesmo através de ensinamentos populares.
Em suma há-que desfazer muitos mitos e preconceitos que ainda existem relativamente aos idosos, chegar a velho não significa que não se pode fazer mais nada…. Significa sim que existe um processo de vida, com muitas histórias, muitas aprendizagens e que ainda se tem muito que aprender. Cabe-nos a nós profissionais de gerontologia mostrar à sociedade que cada idoso ao seu modo vai representar ainda um papel importante na sociedade, e que valerá a pena escuta-los e aprender com eles, todos os valores que os acompanharam ao longo do seu percurso de vida.
Ana Bonacho Marques
Bibliografia
Monicelli, M. (prod.) (1992). Parente é Serpente [100 min.]. Itália: Spectra Nova
Pimentel, Luísa (2005). O Lugar do idoso na família, Coimbra: Quarteto
Revista Ágora, Vitória, n.4, 2006, p. 1-29